quinta-feira, 30 de junho de 2011

LAVOURA ARCAICA

Não há muita diferença entre produzir cana e outros grãos, tanto assim, que convivem lado a lado.
Não há também diferença substancial entre lavoura de cana para produção de açúcar e produção de álcool. Ambos usam recursos naturais e petróleo. Gozam de subsídios ao diesel e créditos sem os quais não subsistiriam.

Ambos são processos arcaicos que remontam ao “ciclo da cana” que deixou tantos estragos ao nordeste, com a diferença que naquele tempo existia trabalho escravo e o transporte era feito por “carro de boi e tropa”. De lá para cá as coisas mudaram: vieram novas tecnologias, mas o processo continua antiquado.
Em que etapas do processo estão as principais deficiências?

BALANÇO ENERGÉTICO
Citado muitas vezes como vantagem, o rendimento energético, em termos de entrada e saída de energia, reflete apenas custos operacionais.
Nestes estão incluídos o custo do transporte da cana e gasto de combustível no processo de destilação.

Mas, não basta ter bom rendimento para ter custo final baixo. O que tem de ser levado em conta, no cômputo do custo final, é o custo de capital para o manejo de grande volume de material de baixa densidade.
É preciso levar em conta o custo de capital, sobre o qual incorrem juros que constitui a maior parcela do custo final.



TRANSPORTE TERCEIRIZADO

Em que pese o aspecto anacrônico e o incômodo que causam nas estradas – por incrível que pareça – o custo operacional do transporte da cana em estado bruto ainda é pequeno, conquanto 10 vezes mais caro do que o transporte de grãos que deixam os resíduos na lavoura.

Um treminhão, por exemplo, transporta 30 ton (40 m³) por 120 Reais, independente do fato que esteja transportando grãos ou cana. O custo é o mesmo, não importa que transporte 90% de água e bagaço e só 10% de álcool contido na cana.

Custo/ton transportada de grãos: 120/30 = 4 R$
Custo/ton transportada de álcool: 120/3 = 40 R
O custo de transportar o álcool contido será 10 vezes maior, ou seja 40 R$/ton, que representa incidência de apenas 3% sobre o preço de 1400 R$/ton do álcool posto na usina.

GASTO DE COMBUSTÍVEL

O transporte da água contida na cana (60%) é inevitável pela sua própria natureza, bem como o do próprio bagaço (30%).
Mas nada impede que sua extração – também inevitável -- seja acelerada pelo emprego de combustível mais eficiente.
Mas, em que pese o grande volume de água contido no caldo da cana, o processo de extração em si custa pouco porque utiliza como insumo o bagaço úmido de valor desprezível. O gasto de combustível é pequeno.

O bagaço é apenas um mal necessário. Nem oleiros o utilizam, mesmo que cedido gratuitamente a título de limpeza do terreno. Sua queima poderia ser evitada e reservada sua utilização para outros fins mais úteis.

Se fosse utilizado um combustível de maior poder calorífico, como o gás, ou o álcool de sua própria fabricação, isto refletiria de modo positivo no custo final, permitindo instalações de menor porte, inclusive caminhões a gás, ou o álcool, de menor custo de capital, as expensas do maior consumo.
Caminhões e instalações permanecem ociosos na entressafra, incorrendo juros sobre o capital empatado. Daí o motivo do transporte ser terceirizado.


CUSTO DE CAPITAL: O ELEFANTE BRANCO

Apenas 10% da cana constitui material útil transformável álcool. O resto, 90% é constituído por água, 60% e bagaço, 30%.
Tal como hidroelétricas a usina de cana de açúcar tem baixo custo operacional. Utilizam pouca mão de obra e gastam pouca energia devido ao processo mecanizado. Mas são intensivas em capital devido ao porte das instalações.

BAGAÇO COMO INSUMO

Outro foco de ineficiência é a queima do bagaço para gerar energia, mesmo que seja para produzir “calor de processo”.
Não faz nenhum sentido queimar um combustível de baixa qualidade – apenas porque é gratuito -- para gerar pouca energia em térmicas de baixo rendimento (~30%) e jogar fora 70% de energia em forma de calor e emitindo gazes. Tem que ser levado em conta o custo elevado de capital das térmicas convencionais a vapor d’água, sobre o qual incide juros: verdadeira reminiscência da revolução industrial.

A melhor solução é o emprego de termoelétrica a gás em usinas de ciclo combinado para gerar energia elétrica, ao mesmo tempo em que economiza bagaço para outros fins.



COGERAÇÃO

O que se pretende para um país em desenvolvimento, com escassez de recursos de capital?
Investir preciosos recursos em empreendimentos de grande porte da Amazônia ou utilizar gás em termoelétricas mais baratas? O mesmo acontece com as usinas de álcool e açúcar.

Utilizar bagaço para geração de energia equivale a queimar palha de café – um recurso precioso – na seca do próprio café. Bagaço é “fogo de palha”.

A simples substituição por lenha já seria um grande avanço.
A auto-suficiência em energia – proclamada como grande vantagem – é um verdadeiro “atestado de burrice”.

A cogeração pode ser o caminho.
A verdadeira cogeração é a utilização de usinas de ciclo combinado, através de termoelétricas a gás ou álcool, associadas na mesma planta às térmicas convencionais, com pleno aproveitamento da energia calorífica do combustível:
- Parte como energia eletro-mecânica útil no eixo do conjunto turbina-gerador.
- E a maior parte como energia calorífica, utilizada para economizar bagaço para fins mais úteis, entre os quais a produção de mais álcool, ou, simplesmente devolvido ao lugar de origem na forma de composto orgânico em combinação com o vinhoto.







TRANSPORTE “CARROÇA”

O transporte da cana em estado bruto é altamente ineficiente quando comparado ao de outros grãos que transportam apenas o produto final, deixando os restos na lavoura.

Enquanto uma carreta transporta 30 toneladas de álcool ou grãos a granel, o comboio agrícola, usado na lavoura de cana, transporta apenas o equivalente a 3 toneladas (10%) do álcool que vai se produzido por 30 toneladas de cana. O restante do peso é constituído de água (60%) e bagaço úmido de valor desprezível (30%).
Portanto, o custo operacional por tonelada de álcool transportado é 10 vezes superior ao custo dos demais grãos. Não é por acaso que sejam usados treminhões, considerando o grande volume correspondente ao pequeno conteúdo em peso do álcool a ser produzido.
Ocorre também que na maior parte do tempo treminhões permanecem ociosos na entressafra, incorrendo juros sobre o capital empatado. Metade das viagens corresponde a retorno sem carga.

INCIDÊNCIA NO CUSTO DO TRANSPORTE:

Um treminhão faz um percurso de 20 Km para transportar 3 ton de álcool equivalente. Precisa fazer 10 viagens para transportar o equivalente a 30 ton de álcool por dia. Percorreu 400 Km e recebe 1200 R$.
Custo unitário: 1200/3 = 400 R$/ton

No mesmo dia, uma carreta faz uma viagem de 400 Km até Paulínia e transporta 10 ton de álcool puro. Percorre os mesmos 400 km e recebe os mesmos 1200 R$.
Custo unitário: 1200/30 = 40 R$/ton
Como se vê, o custo por tonelada transportada é 10 vezes maior.

Preço do álcool hidratado em 14/04:
1400 R$/ton nas usinas e 1500 R$/ton em Paulínia, evidenciando a baixa incidência do transporte no preço do álcool.


Considerando que a velocidade do comboio seja metade da velocidade da carreta -- nas condições precárias por carreadores de terra -- e a necessidades de carregadeiras auxiliares lentas, o custo do transporte da cana em estado bruto chegaria a usina a um custo 3 vezes maior do que o custo do álcool equivalente na roça.
Custo do álcool equivalente posto na usina: 1200 R$
Podemos então concluir que o transporte pesa muito em relação ao valor do produto. Fato que não acontece com da maioria dos grãos, cujo transporte se refere ao produto final, quase isento de beneficiamento.

Mas, em escala global, é o que acontece com a maioria dos produtos primários, grãos e minérios, que são interiorizados nos países de destino em condições semelhantes, depois de um passeio inútil por estradas esburacadas e navios ao redor do mundo.


PROCESSO INDUSTRIAL

Aqui também o processo não é menos primitivo. Envolve enorme gasto de energia no manejo de quantidade considerável de caldo de cana fermentada da qual deve ser extraída a água e vinhoto, um resíduo altamente poluente, para o qual dar destino adequado. Ao final do processo de destilação o resultado é a minguada quantidade de 10% de álcool, numa proporção de 7 toneladas/hectare de álcool para cada 70 toneladas/hectare de cana.

Em escala nacional, representa a manipulação de 200 milhões de toneladas de cana para a produção aproxima de 20 bilhões de litros de álcool e a ocupação de cerda de 3 milhões de hectares.
Não importa que tenha um bom rendimento em termos de entrada/saída de energia. O que interessa de fato é o rendimento em termos monetários (de dinheiro gasto). Neste caso, pode-se até dizer que o rendimento é infinito, uma vez que o insumo tem valor desprezível. Este fato reflete apenas custos operacionais.




A VERDADE DOS CUSTOS

O que de fato precisa ser levado em conta são os custos de capital de todo o processo, começando pelo custo dos veículos (treminhões), na maior parte do tempo ociosos na entressafra. A seguir o elevado custo de capital do processo de retirada da água (60%) e da remoção da pirâmide de bagaço úmido, 30%, que não tem serventia para nada, nem para oleiros.
Apesar de não ter não ter custos operacionais – uma vez que o insumo (bagaço) tem valor desprezível – não há vantagem alguma em queimar bagaço apenas porque é gratuito.
Tem elevado custo de capital de instalações -- tal qual uma usina hidroelétrica – semelhante ao das antigas térmicas a vapor que usam caldeiras para geração de eletricidade, verdadeira “reminiscência arqueológica” da revolução industrial.

Esta é a imagem real da plantação de cana para a produção de álcool ou açúcar no Brasil e não aquela maravilha que todos imaginam como tecnológica. Quase tudo fica resumido numa indústria de transporte e produção ineficientes. Salva os avanços na produtividade e no emprego de tecnologia agronômica de seleção de linhagens e da biotecnologia na produção de clones.




TIRA TEIMA

Uma prova de eficiência para as usinas de álcool seria a utilização do próprio álcool como combustível nos veículos de transporte interno e nas termoelétricas. Mas, os usineiros preferem usar o diesel subsidiado, é claro.

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